Foto: Arquivo/Agência Brasil
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Seca afeta colheita de soja e milho e indenizações devem chegar a R$ 1,9 bi no RS

Produtores que têm seguro particular ou participam do Proagro já começaram a receber recursos; não segurados buscam alternativa para não se endividar

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Por conta da estiagem e da consequente perda de quase metade da safra de soja e milho no Rio Grande do Sul, o Programa de Garantia da Atividade Rural (Proagro) e as companhias de seguros devem desembolsar quase R$ 1,9 bilhão em indenizações aos produtores rurais da região. A estimativa é do Departamento de Gestão de Riscos da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com dados do Programa de Seguro Rural (PSR) e do Banco Central. Os produtores que não possuem mitigadores de risco climático, tipos de proteção que visam minimizar perdas ligadas a fatores adversos como a seca, devem sofrer pelas próximas três safras com endividamento.

Isso porque, segundo a Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), cerca de 48% da colheita estimada foi perdida. Das quase 20 milhões de toneladas de soja projetadas para a safra 2019/20, foram colhidas apenas 10,4 milhões. A seca prejudicou as plantações de milho da mesma maneira. Segundo dados da Associação de Produtores de Milho do estado (Apromilho-RS), os agricultores deixaram de colher um milhão de toneladas do grão, o que significa uma quebra entre 40% e 47%. 

O Banco Central, responsável por administrar o Proagro, informou que os pequenos e médios produtores beneficiados devem receber, ao todo, pouco mais de R$ 900 milhões. O prazo para os pagamentos depende de envio de documentação e dados das vistorias. O mesmo vale para as companhias seguradoras, que devem desembolsar, segundo estimativas do BC, pouco menos de R$ 1 bilhão. 

O diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Ministério da Agricultura, Pedro Loyola, revela que metade das áreas de soja e milho do Rio Grande do Sul tem mitigadores de risco climático, seja pelo Proagro ou por Seguro Rural. 

“O Rio Grande do Sul, mais recentemente, começou a contratar mais seguro e Proagro. Até três ou quatro anos atrás isso era pouco disseminado no estado, mas houve aumento de contratação nesses últimos anos. O Rio Grande do Sul, hoje, lidera a contratação de Proagro no país, cerca de um terço do que é contratado do programa no Brasil é feito lá. No Seguro Rural, o estado é o segundo que mais contrata, perdendo apenas para o Paraná”, conta.

O diretor do Mapa ressalta que as garantias não apenas resguardam os produtores como também protegem toda a cadeia de produção, a exemplo do que ocorre na Espanha e nos Estados Unidos, países onde o índice de cobertura do seguro ultrapassa 80%. Segundo Loyola, atualmente o Brasil tem 70 milhões de hectares plantados, dos quais 14 milhões possuem mitigadores.

“Aqui no Brasil, muitos produtores saíram da atividade porque não tinham um sistema de seguro. O sistema de seguro é importante porque possibilita ao produtor fazer a gestão de risco, manter fluxo de caixa e produzir no ano seguinte com crédito novo. Isso contribui para que não tenha desabastecimento, a inflação de alimentos se mantém ou até fica mais baixa. Sem falar que esse recurso que o produtor recebe da seguradora circula na região e mantém empregos”, ressalta.

Perda histórica

A perda do Rio Grande do Sul com a safra 2019/20 de soja foi acima de nove milhões de toneladas, com prejuízos financeiros estimados em R$ 12,3 bilhões. Ao comparar os números com o Mato Grosso, maior produtor de soja do país, Décio Lopes Teixeira, presidente da Aprosoja-RS, pontua que o rombo é histórico.

“A última safra foi muito ruim para o Rio Grande do Sul. Nós tivemos uma quebra de 9,3 milhões de toneladas de soja. Uma coisa impressionante perto, por exemplo, dos números do Mato Grosso, que colheu entre 33 ou 34 milhões de toneladas. Para você ver como é nove milhões de toneladas perdidas perto desse volume enorme do Mato Grosso. É uma perda que nunca houve aqui na nossa região”, lamenta.

O presidente da Aprosoja explica que as perdas com estiagem ficam, na média, entre 15% e 20%, bem abaixo do patamar atual de quase 50%. O plantio da soja é feito entre outubro e novembro, enquanto a colheita ocorre entre março e abril. O péssimo resultado é atribuído por Décio Lopes Teixeira às chuvas esporádicas registradas em meados de novembro, no fim do plantio, aquém do necessário para “encher o grão”.

A perda foi tão brusca que fez a representatividade do Rio Grande do Sul despencar no mercado. O estado produz entre 19 e 20 milhões de toneladas de soja a cada safra, competindo com o Paraná pela segunda posição. Nesta safra, com apenas 10 milhões de toneladas colhidas, o estado gaúcho caiu para quarto lugar, sendo ultrapassado por Goiás, que gerou cerca de 12 milhões de toneladas do grão.

A realidade dos produtores de milho não é muito diferente. Ricardo Meneghetti, presidente da Apromilho-RS, afirma que alguns produtores perderam toda a safra 2019/20, enquanto outros tiveram uma quebra de quase metade da produção. Segundo Meneghetti, a lição que se tira é que os produtores precisam usar a adversidade para tornar o setor mais forte e preparado. 

“Algumas lavouras perderam todas [colheitas], mas a média acabou ficando nesses 47%, no caso do milho. O importante é que tenhamos tirado algumas lições desse episódio. Atualmente há um aquecimento na procura de irrigação, na procura de seguro. Toda vez que acontece alguma coisa nesse sentido, a gente acaba procurando alguma coisa a mais de segurança porque lembra que o clima, às vezes, nos prega uma peça”, alerta.

Meneghetti explica que o clima se comportou de forma favorável nos últimos cinco anos, o que pode ter feito vários produtores se esquecerem das dificuldades ocorridas em 2005 e 2012, quando a produção também foi atingida. 

“As expectativas para o ano não são boas em termos de clima. Então, é interessante que a gente acabe se resguardando por meio de algum seguro e de técnicas que podemos utilizar. Essa parte técnica foi ficando de lado nos últimos anos. O que aconteceu agora parece que acontece para nos lembrar de que é preciso se precaver”, ressalta.

Ao lembrar que já são observados períodos de instabilidade no clima do Rio Grande do Sul, Pedro Loyola indica que os problemas climáticos mais graves que causam prejuízo na agricultura surgem de sete em sete anos.

“Isso é cíclico. No Rio Grande do Sul, tivemos vários problemas climáticos que resultaram em perdas em boa parte do estado em 2005, em 2012 e agora em 2020. Praticamente a cada sete ou oito anos há uma seca mais severa que ocasiona perda de 40 a 50% da produção”, adverte.

Justamente por conta do histórico, Loyola acredita que os produtores precisam se preparar para eventuais estiagens. Segundo ele, em torno de 104 mil produtores de milho do estado contrataram seguro ou Proagro e um terço deles acionou a seguradora ou o programa nesta safra. Normalmente, não mais que 10% solicitam anualmente a avaliação de perda junto às instituições financeiras. 

Não segurados

Aproximadamente metade dos produtores de milho e soja do Rio Grande do Sul não contratou um seguro rural nem faz parte do Programa de Garantia da Atividade Rural. Como costumam pegar recursos com terceiros, principalmente para custeio, precisarão agora renegociar essas dívidas. Segundo o Mapa, o governo já adotou medidas para facilitar essas renegociações no crédito oficial, mas é possível que trabalhadores do campo enfrentem dificuldades nos próximos anos.

“Dependendo das perdas, esses produtores ficam com a vida comprometida por três a cinco anos, já que eles vão ter de pagar a lavoura do ano que eles estão fazendo, mas carregando uma dívida do passado por conta de um problema de estiagem”, esclarece Loyola.

O diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Mapa explica que o assegurado enfrenta perda de produção e de renda e orienta que se faça mitigação de risco climático para, ao menos, evitar mais dívidas.

“Apesar de ter uma perda grande com a seca, o seguro é importante para que o produtor continue na atividade. Segundo, ele consegue acessar crédito novo, fazer investimento, melhorar a tecnologia e até melhorar a produtividade na próxima safra. O seguro traz essa tranquilidade do fluxo de caixa do produtor. O seguro não vem para dar renda, vem para cobrir, no mínimo, o custo de produção que ele teve para continuar sem o problema de endividamento”, recomenda.

PSR e Proagro

O Programa de Seguro Rural (PSR) auxilia financeiramente o produtor rural na aquisição de uma apólice de seguro para sua lavoura, garantindo a estabilidade de fluxo de caixa em caso de quebra de safra. Essa quebra pode ser ocasionada por evento climático ou até mesmo por variação de preços. Pode participar do PSR qualquer produtor, pessoa física ou jurídica, que não esteja inadimplente com a União (Cadin).

Atualmente são 14 as seguradoras habilitadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. A lista completa pode ser acessada no Guia de Seguros Rurais, onde também é possível tirar todas as dúvidas sobre contratação.

O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), por sua vez, garante o pagamento de financiamentos rurais de custeio agrícola quando a lavoura tiver sua receita reduzida por causa de eventos climáticos, como seca, chuva excessiva e geada, além de pragas e/ou doenças. O Proagro tem como foco principalmente os pequenos e médios produtores, embora esteja aberto a todos dentro do limite de cobertura estabelecido.

O Proagro possui duas modalidades: o Proagro Mais, que atende aos agricultores familiares do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf); e o Proagro, que atende aos demais agricultores.

A contratação do Proagro ou do Proagro Mais é feita pelo próprio agricultor junto aos agentes do programa, ou seja, bancos ou cooperativas de crédito. Pode ser feito diretamente no contrato de financiamento de custeio agrícola ou por meio do Termo de Adesão ao Proagro, para atividades não financiadas. O resumo das instruções do programa está disponível no site do Banco Central.
 

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