Foto: UNICEF/Raoni Libório
Foto: UNICEF/Raoni Libório

Participação de adolescentes: como a mobilização tem mudado a realidade de municípios do Semiárido e Amazônia Legal

O incentivo à participação da juventude na construção de políticas públicas voltadas para ela é uma das metas para que prefeituras de 1.924 municípios dessas regiões alcancem o Selo UNICEF

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Na terceira cidade mais populosa do Maranhão, a correria é intensa para garantir mais uma certificação do Selo UNICEF, iniciativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância que reconhece o esforço de municípios do Semiárido e da Amazônia Legal em elaborar políticas públicas e ações voltadas para crianças e adolescentes locais. Em Timon (MA), que faz divisa com o Piauí, os quase 170 mil habitantes se uniram em torno de um objetivo: dar prioridade a quem mais precisa.
 
O incentivo à participação ativa da juventude está entre as metas que os municípios devem cumprir para garantir o Selo. Cada prefeitura deve realizar oito desafios com os jovens, que incluem promover o direito ao esporte seguro e inclusivo, à alimentação saudável e prevenção à obesidade, o direito à educação e à cidadania e práticas de enfrentamento ao racismo.
 
“Na primeira edição do Selo, a participação dos adolescentes foi mais tímida. Acho que tornar obrigatório o Núcleo de Cidadania de Adolescentes (Nuca) fortaleceu essa participação”, arrisca dizer a articuladora de Timon, Alexandra Silva Morais. O Nuca ao qual Alexandra se refere é um grupo formado por, no mínimo, 16 adolescentes (oito meninas e oito meninos) entre 12 e 17 anos. É nesse espaço que os jovens se encontram para discutir questões importantes para o desenvolvimento deles e para levar reivindicações à gestão municipal.
 
“A gente dá visibilidade à voz de adolescentes, é uma maneira de fazer esse processo de escuta mais sistemático”, reforça a oficial nacional de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes do UNICEF, Gabriela Mora.
 

 
Um dos desafios relatados por Alexandra para que Timon alcance a segunda certificação é trazer de volta adolescentes para a escola. Na edição passada (2013-2016), a taxa de jovens fora das salas de aulas era de 7% - são cerca de 33 mil crianças e adolescentes no total com idade escolar no município. Na atual edição (2017-2020), com as ações realizadas, conseguiram reduzir para 1,2%. “A nossa meta é zerar esse índice. Queremos vencer o desafio de localizar esses meninos e meninas e alcançar a nossa meta”, torce a articuladora.
 
A expectativa de toda a comunidade é de que mais de 800 jovens retornem para o local de onde não deveriam ter saído. “Muitos abandonaram a escola por conta de trabalho infantil, gravidez na adolescência”, lamenta. Outro desafio do município, segundo Alexandra, é corrigir a distorção idade-série (quando a idade não está adequada para a série). Em 2018, só no ensino médio, 343 alunos estavam com três anos ou mais de atraso.
 
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Uma das ferramentas utilizadas em Timon é o Busca Ativa Escolar, plataforma que ajuda os gestores a identificar e enfrentar as situações de exclusão. Entre as causas mais comuns, estão o trabalho infantil, crianças e adolescentes com deficiência sem infraestrutura para chegar às escolas e a pobreza.  
 
Estratégias
Como parte das ações para que os municípios alcancem o Selo UNICEF, propõe-se que eles se mobilizem, organizem e criem espaços para incentivar a participação da juventude. A instalação de Nuca’s e Juva’s, como são conhecidos os núcleos de jovens do Semiárido e da Amazônia Legal, respectivamente, é um dos desafios obrigatórios dentro das prefeituras.
 

 
Cada núcleo deve ter, no mínimo, 16 adolescentes que terão a responsabilidade de mobilizar outros e outras adolescentes – não há limite máximo para o número de jovens que participam do núcleo. Dentro dos grupos é que são realizadas as atividades com o auxílio de um(a) mobilizador(a), que vai garantir que meninos e meninas se envolvam nas ações.
 
Outra ferramenta importante na participação da juventude é a plataforma U-Report Brasil. É por meio dela que as gestões comprovam que os núcleos foram criados. Lá dentro, eles e elas podem participar de enquetes realizadas via redes sociais. Gabriela Mora estima que, nessa edição do Selo, cerca de 30 mil jovens acessaram a plataforma.
 
“É uma voz expressiva do Semiárido e da Amazônia Legal no Brasil. A gente usa o resultado dessas enquetes para conversar com as autoridades, com quem realmente toma decisões no nível municipal, estadual e federal”, explica a oficial.  
 
Visibilidade
Conversar com os adolescentes sobre os direitos sexuais e reprodutivos também está na pauta das atividades dos núcleos de juventude. A oficial de Participação de Adolescentes do UNICEF para a Amazônia Legal, Joana Fontoura, acrescenta que é importante fornecer a esses meninos e meninas informações qualificadas. “O que a gente percebe é que eles têm acesso à informação, à internet, às redes sociais, mas é preciso que eles saibam, de fato, como funciona o organismo deles, como funciona o ciclo menstrual, por exemplo, até para evitar uma gravidez indesejada ou IST’s.”
 
O trabalho do UNICEF, segundo Joana, é que essas informações cheguem até eles e elas sem preconceito e sem estigma. “Não queremos que eles pensem que buscar esse conhecimento é algo errado ou inalcançável”, reforça.  
 
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Nos estados do Semiárido brasileiro, o trabalho também é intenso para que a comunicação seja efetiva. “A informação é uma grande aliada. Os adolescentes aqui usam também as redes sociais e grupos de whatsapp para essa mobilização”, conta a especialista na área de Desenvolvimento de Adolescentes e Jovens do UNICEF, Luiza de Sá Leitão.
 
Ela revela que 56% de adolescentes nas mobilizações no Semiárido são de meninas. Para Luiza, é emocionante ver como isso pode transformar a realidade delas, que são, muitas vezes, um público vulnerável. “Eu estava em um encontro no Piauí, em uma cidade com apenas quatro mil pessoas, e vi meninas da zona rural segurarem um microfone e discursarem afirmando que ninguém vai dizer o que elas devem ser ou fazer. Elas vão ser o que elas quiserem”, relata.
 
A autoestima, em especial das meninas negras, também é foco das reuniões dos núcleos. A especialista revela que muitas meninas “libertaram” os cabelos crespos de químicas e hoje se sentem mais felizes com a decisão. “Os núcleos de jovens são decisivos nisso”, crava Luiza. Meninas que foram vítimas de bulimia (transtorno alimentar compulsivo que leva a pessoa a provocar vômito, por exemplo, para evitar o ganho de peso) também se aceitaram por meio dos encontros e hoje já não buscam mais o corpo “perfeito”.


 
Adolescentes LGBTQI’s, sigla para identificar lésbicas, gays, trans etc., também se sentiram acolhidos após participarem das atividades. “Eles entenderam que não eram aberração, como muitas vezes eles são vistos. Muitos cresceram ali dentro e viraram liderança nos municípios. É muito empolgante, muito emocionante”, anima-se a especialista.

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Luiza também trabalha para combater a alcunha de “aborrescentes”. Todo o trabalho, segundo ela, é voltado para estimular a interação, a autonomia e a busca da identidade para que a adolescência não seja estigmatizada.
 
“É um momento de aproveitar toda a garra, a vontade de mudar o mundo que adolescente tem. Costumo dizer que se eles e elas não existissem, ainda estaríamos na Idade da Pedra, porque eles não se contentam com o que está estabelecido, sempre buscam o novo”, comenta.
 
Metas
O incentivo à participação de adolescentes é uma das metas propostas a 1.924 municípios da Amazônia Legal e do Semiárido para que eles alcancem o Selo UNICEF. Cumprindo as metas propostas, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida em colocar crianças e adolescentes como uma prioridade.
 

 
Além da participação dos jovens, as prefeituras precisam cumprir mais quatro metas obrigatórias, que são viabilizar a volta às aulas; os direitos sexuais e reprodutivos; a valorização da primeira infância, e a proteção contra a violência, em especial na redução de homicídios. 
 
O Selo
Implantado pela primeira vez em 1999, no Ceará, o Selo UNICEF já contabiliza 20 anos de história e de mudança na vida de milhões de crianças e de adolescentes em situação de vulnerabilidade no Semiárido e na Amazônia Legal. Atualmente, 18 estados são alcançados pela ação – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba , Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais, no Semiárido, e Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, na Amazônia Legal.
 
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Com o sucesso das experiências, o Selo cresceu e, hoje, procura aplicar o aprendizado das edições anteriores aos participantes da atual. A metodologia foi unificada para o Semiárido e Amazônia Legal e introduziu o conceito de Resultados Sistêmicos no lugar de ações, visando dar sustentabilidade às iniciativas dos municípios e garantir que as crianças e adolescentes continuem sendo beneficiadas pelas políticas públicas implementadas mesmo após o fim do ciclo.
 
O Selo é dividido em ciclos, que coincidem com as eleições municipais. No atual ciclo (2017-2020), de 2,3 mil prefeituras convidadas, 1.924 toparam o desafio, sendo 1.280 do Semiárido e 644 da Amazônia Legal. Cumprindo as metas propostas pela ação, o município recebe, após três anos, um selo que comprova e reconhece o esforço da comunidade envolvida.
 
No ciclo de 2017-2020, os municípios devem apresentar os resultados das ações desenvolvidas até 31 de março, por meio da plataforma Crescendo Juntos, no site do Selo UNICEF. A comprovação das atividades é feita por meio de documentos comprobatórios e anexados no portal. O envio pode ser feito pelo computador, celular ou tablet ou com auxílio de agentes comunitários, caso o município não tenha acesso à internet.

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