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BC vai mudar regras do crédito para folha de pagamento durante a pandemia

Apenas R$ 1,9 bilhão dos R$ 40 bilhões disponibilizados foram acionados e alterações vão incluir empresas com faturamento anual de até R$ 50 milhões

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Em debate virtual no Congresso Nacional, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, anunciou que haverá mudanças nas regras do Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), ferramenta de financiamento que pode ser usada pelas empresas para ajudar a quitar a folha de pagamento dos funcionários neste período de pandemia. Em março, foram disponibilizados R$ 40 bilhões a juros de apenas 3,75% de juros ao ano, mas até o último dia 26 apenas R$ 1,9 bilhão desse valor foi requisitado. Uma das alterações será a ampliação do espectro de empresas aptas, incluindo aquelas com faturamento anual de até R$ 50 milhões. Até então, apenas os negócios com receita bruta anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões podem participar.

O auxílio surgiu com a Medida Provisória 944/20, prevista para financiar até dois salários mínimos por empregado. A expectativa do governo era beneficiar 12,2 milhões de trabalhadores e aproximadamente 1,4 milhão de empresas, mas os valores apresentados pelo presidente do BC mostram uma adesão bem abaixo do esperado. Pouco mais de 79 mil empresas solicitaram a linha de crédito, beneficiando cerca de 1,3 milhão de empregados. No total, R$ 1,92 bilhão foram destinados ao pagamento das folhas.

Segundo Roberto Campos Neto, a ideia da linha de crédito era financiar o máximo possível dos empregados com salários baixos de pequenas e médias empresas que passam por dificuldades durante a pandemia, preservando seus empregos. Segundo ele, foram observados diversos fatores para que o desembolso fosse tão baixo.

“Quando nós olhamos o programa de financiamento de folha de pagamento, o que nós encontramos como entrave? Primeiro, ele competiu durante um tempo com aquele programa que fazia o financiamento do seguro desemprego. Algumas empresas decidiram pegar o programa de seguro desemprego que acaba agora”, destaca o presidente do BC. “Um outro ponto também muito importante foi que essas empresas algumas deixaram de acessar essas linhas, mesmo qualificadas, porque não queriam ter a restrição de não poder demitir, pois precisavam demitir alguns funcionários e não quiserem se comprometer com isso.”

O banco de dados fornecido pela linha de crédito permitiu ao Banco Central, pelo menos, entender melhor a situação das empresas durante este período complicado da economia. Roberto Campos Neto explica que os números vão ajudar a fazer as alterações no programa emergencial e, inclusive, auxiliar em demais ações futuras.

“A gente atendeu 1,3 milhão de empregados, se aproximando a R$ 2 bilhões de valor financiado. Esse é um programa que, apesar do desembolso ter sido menor que o esperado, a gente reuniu uma qualidade de informação muito boa, uma qualidade de controle muito bom, pois a gente consegue ver quais as empresas, setores, que tipo de empresa está necessitando de crédito, qual é o funcionário. É um volume de informação que nos ajuda muito a nos guiar nessa crise”, ressaltou.

Maior abrangência

Na reunião com deputados e senadores, Campos Neto avaliou que as modificações no programa aumentarão os repasses. Entre as medidas estão a ampliação no faturamento em 2019 das eventuais beneficiárias para R$ 50 milhões, a manutenção de pelo menos 50% dos empregos – atualmente quem adere não pode demitir ninguém por até 60 dias –; e extensão do prazo de adesão por dois meses, para o final de agosto.

A maior abrangência foi observada justamente na análise do banco de dados, quando se percebeu que as empresas que mais solicitaram a linha de crédito eram aquelas que faturavam mais. Questionado pelos parlamentares sobre as empresas menores e a eventual retirada do faturamento mínimo, o presidente do BC disse que há a possibilidade de mexer na outra ponta, beneficiando negócios com receita bruta anual abaixo dos R$ 360 mil.

“Quando nós olhamos o que tem sido feito até agora é verdade que tem se concentrado mais perto dos R$ 10 milhões do que mais para baixo, porque esse é um produto de folha de pagamento. Geralmente ele é feito com o banco quando a empresa tem um número x de funcionários que vale a pena para o banco ter aquele produto. Então, ele acabou sendo mais perto dos R$ 10 milhões do que mais perto de baixo”, observou. “Vai ter mais efeito subir do que cair, mas nós somos a favor de cair, não temos nenhum problema e achamos que a medida é boa.”

 

O que pode ter acontecido?

Segundo George Sales, professor de Finanças e Mercado Financeiro do Ibmec/SP, a linha de crédito é de extrema importância para as empresas neste período de pandemia, quando muitas pararam de produzir ou vender por conta do distanciamento social. Principalmente porque a folha de pagamento é, na maioria das vezes, ao lado da matéria prima, a maior despesa mensal dos empreendimentos.

Sales considera um fator importante a obrigação que a empresa tem com os empregados em um momento que a produção está parada ou reduzida. “A folha de pagamento está presa a uma série de questões legais. O não pagamento dela complica a vida da empresa de diversas formas. Por isso esse crédito para fomento é importantíssimo”, ressalta.

George Sales explica que outros diversos fatores podem ter sido o motivo do baixo desembolso da linha de crédito, como análise de crédito, a exigência de quitação previdenciária e a proibição de demissões. “Os bancos são muito restritivos para conceder crédito. As exigências bancárias permaneceram. O governo não deu o dinheiro a fundo perdido. Ele colocou o dinheiro para que os bancos emprestassem, e o procedimento de análise de crédito continua igual. Sem falar que os bancos devem estar bastante criteriosos porque sabem que neste meio do caminho muitas empresas não vão conseguir sobreviver”, alerta o especialista.

Na linha de crédito aberta, a União banca 85% do empréstimo e os bancos interessados em participar do programa, os outros 15%. O risco de inadimplência, neste caso, é dividido na mesma proporção: 85% e 15%. O valor do financiamento abrange o total da folha por dois meses, limitado ao equivalente a dois salários mínimos por empregado. A empresa tem até 36 meses para pagar o financiamento e com sei meses são de carência.

As dívidas com a Previdência por parte de algumas empresas também podem ter sido um fator inibidor, já que elas precisam estar quitadas para se conseguir acesso à linha de crédito. 5:28 “Todos os pagamentos de INSS, de repasses governamentais são exigidos. Então a empresa tem de ter certidão negativa para débitos previdenciários. As empresas que já estão em dificuldades, atrasando um mês, pagando no outro, com problemas previdenciários ou tributários dos mais variados, são as que mais precisam do crédito. Apesar de essa exigência ser válida, já que uma empresa irregular vai se beneficiar tanto quanto uma regular e que paga tudo certinho, temos de lembrar que vivemos um momento de crise, não de competitividade. É um momento de sobrevivência”, aponta o professor.

O Programa Emergencial de Suporte a Empregos também atrela a linha de crédito à proibição de qualquer funcionário por dois meses caso o crédito seja concedido, o que pode ter inibido algumas empresas que procuram se reorganizar na crise econômica ocasionada pela pandemia. “Existe uma segurança dos empresários com a duração dessa crise e como será feita a retomada do crescimento. Imagina você ficar travado na questão de demissão, você precisa diminuir a empresa porque a retomada está sendo lenta e gradual e não pode porque disse que não faria isso. Então isso limita bastante”, observa.

O próprio presidente do Banco Central ressaltou que a questão das demissões foi um fator complicador para muitos empreendimentos. Tanto que uma das mudanças anunciadas para o programa diz respeito a este quesito. Além de englobar empresas com faturamento em 2019 de até R$ 50 milhões e estender o prazo de adesão ao Pese por dois meses, até o final de agosto, o crédito estará atrelado à obrigação de manter, pelo menos, 50% dos empregados.

Empresas maiores

A ideia inicial do Programa Emergencial de Suporte a Empregos era fazer com que, pelo menos, 12 milhões de pequenas e médias empresas conseguissem honrar seus compromissos com a folha salarial e segurassem seus empregados. Com a sugestão do presidente do BC de incluir empresas com faturamento bruto anual de até R$ 50 milhões, a linha de crédito pode beneficiar milhões de empregados que trabalham para empresas maiores e também recebem até dois salários mínimos. Segundo Sales, a medida ajuda também o governo, já que essas possíveis demissões também impactariam no Seguro Desemprego.

“As empresas maiores consequentemente têm folhas maiores. O que você atinge no final é a possibilidade de essa empresa não demitir. O governo coloca dinheiro para esse tipo de empresa e na verdade ela toma o crédito para não demitir e se evita, com isso, o risco de ter de pagar o seguro desemprego. Por isso é interessante expandir esse crédito para empresas de maior porte”, destaca Sales.

Para evitar desvio no uso dos recursos, a regra de pagamento continua: as empresas terão a sua folha de pagamento processada pelo banco emprestador. Deste modo, os valores financiados serão pagos diretamente aos empregados cadastrados.

A expectativa preliminar do Banco Central é de impacto adicional de R$ 5 bilhões, com a extensão de dois meses para empresas atualmente elegíveis e mais R$ 5 bilhões para empresas na nova faixa de faturamento.
 

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